Pesquisa de doutorado da UFMG mostrou que a maioria das ruas que homenageiam
militantes contra o regime militar estão na periferia Tempo
Por Natália Oliveira
Idalísio Soares Aranha Filho é um desses militantes. — Foto: Videopress produtora |
Foi após ouvir o nome de um militante que lutou contra a ditadura militar e associá-lo ao nome de uma rua no bairro Primeiro de Maio, na região Norte de Belo Horizonte, que a pesquisadora e doutora em psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Jaíza Rocha decidiu se aprofundar no tema e descobriu que a capital tem 200 ruas com nomes de militantes que lutaram contra o regime militar.
“Participando de uma audiência pública eu escutei o pedido de anistia de
familiares de Cecílio Emídio Saturnino. Quando eu ouvi esse nome eu pensei:
puxa esse é o nome de uma rua lá no bairro Primeiro de Maio onde eu n uhasci e
cresci, na periferia da região Norte de Belo Horizonte. Eu fui pesquisar quem
era ele. E a partir de então eu, que já estudava memória social,
representações sociais e identidade social que são teorias dentro da
psicologia social que é a área que estudo, fiz uma pesquisa bibliográfica
sobre nomes de ruas e homenagens e dei início a esse estudo em 2015 para o
projeto do doutorado”, contou a pesquisadora.
As pessoas que têm seus nomes inscritos nas ruas da cidade geralmente tiveram
alguma relevância para a sociedade, mas o que Jaíza descobriu é que muitos
moradores não sabem quem são os homenageados. E muito mais que apenas tratar
da nomeação dessas ruas, o projeto quer justamente dar visibilidade e trazer
um pouco da história de quem foram esses militantes, já que nem mesmo nas
escolas estudamos essa parte da história.
Para trazer mais informações para a sociedade, Jaíza construiu um mapa
interativo que mostra onde ficam algumas ruas que homenageiam os militantes
que lutaram contra a ditadura e contou um pouco sobre a história de cada um
deles. “Nós queremos que as pessoas saibam quem são essas pessoas
homenageadas. Então, o mapa interativo tem uma função que é pedagógica, que é
educativa, que é de trazer o acesso ao conhecimento. Se na tese (de doutorado)
a gente fala sobre memória e esquecimento, a gente gostaria de trazer a
lembrança e o acesso democratizado ao conhecimento”, enfatiza Jaíza.
A pesquisa teve quatro etapas e investigou dados sobre a forma como se deram
as homenagens aos militantes políticos de oposição à ditadura nas vias de Belo
Horizonte e a relação da população desses locais com esses atos, analisando
aspectos da construção da memória social sobre o período.
“Quando eu comecei a pesquisa muita gente me dizia: mas Jaíza ninguém sabe
quem são essas pessoas. Então o esquecimento já estava posto no início. Eu
falei que se elas não sabem é necessário saber. Essa relação entre memória,
silêncio e esquecimento se dá justamente numa trama em que esquecer também se
torna um projeto político-social. Lembrar e esquecer está no cerne da relação
intergrupal, então há uma relação entre o que deve ser lembrado e o que deve
ser esquecido e manter algumas coisas no esquecimento, manter alguns grupos
sociais impedidos de conhecer faz parte também de um projeto de sociedade”,
destaca a pesquisadora.
De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, a capital tem 15.992
logradouros, que incluem ruas, becos, estradas, túneis, avenidas e elevados,
sendo que desse total são 11.479 ruas e 2.635 becos.
Longe do centro: ruas ficam nas regiões periféricas da cidade A maioria das
ruas que homenageiam os militantes políticos estão localizadas na periferia da
capital mineira, em regiões que fazem limite com cidades da região
metropolitana. Muitos logradouros estão em bairros novos que permitiam novas
nomeações. Os moradores destas ruas geralmente sofrem com brigas políticas
entre municípios sobre de quem seria a responsabilidade das questões de
infraestrutura dessas vias, já que uma cidade joga a responsabilidade para a
outra.
“São ruas que não são calçadas, tem problemas de pavimentação e saneamento
básico. Os moradores não conhecem a história de quem dá nome a sua rua. São em
locais mais periféricos, ruas não centralizadas. Percebi na minha pesquisa que
falta a esse projeto de homenagear os militantes, o envolvimento da população.
Ele não foi construído junto com a população”, diz Jaíza.
São poucas ruas que ficam na região central da cidade com os nomes de
militantes contra o regime militar. Um exemplo é o viaduto Helena Greco que
liga a região Noroeste ao centro de Belo Horizonte. A via foi rebatizada em
2014, quando levava o nome do ditador Castelo Branco.
Livro de ex-deputado foi ponto de partida para projeto.
A pesquisa teve como ponto de partida o livro “Rua Viva” do ex-deputado
Betinho Duarte, que mapeia e explica quem eram os militantes que dão nome aos
logradouros de Belo Horizonte. O ex-deputado foi autor de um Projeto de Lei
(PL) pioneiro no Brasil para homenagear as ruas da cidade com nomes de pessoas
que lutaram contra a ditadura. A primeira rua nomeada na capital mineira foi a
José Carlos da Mata Machado, no bairro das Indústrias, região do Barreiro, em
1986. Machado foi um estudante da UFMG que lutou contra a ditadura.
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