Dilema da autonomia e da fé: a decisão do STF sobre as testemunhas de Jeová

No reino das leis, onde a balança da justiça tenta equilibrar direitos e deveres, surge um dilema que transcende o mero formalismo jurídico. No dia 8 de agosto de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá em suas mãos um caso que pode ser descrito como um verdadeiro “teste de fé” jurídico, ocasião em que se deparará com um caso que exige mais do que a interpretação de textos legais, já que ele pede uma reflexão profunda sobre a autonomia do paciente e o respeito às crenças religiosas. Nesse sentido, os Temas 952 e 1.069 não são apenas números ou códigos; são histórias de vidas, escolhas e o embate entre a religião e a medicina.


Imaginem a cena: uma mulher testemunha de Jeová está internada em um hospital. Sua saúde está em risco e uma transfusão de sangue seria a solução. O problema? Ela acredita que esse procedimento vai contra suas convicções religiosas [1]. O dilema está lançado: os médicos têm a responsabilidade de salvar vidas, mas até que ponto devem agir para respeitar as crenças de um paciente? E o STF, em sua sabedoria quase que divina, terá que decidir se a autonomia da paciente deve ser respeitada, mesmo que isso possa levar a consequências fatais. E por que é que estamos falando de testemunhas de Jeová? Bem, essas pessoas não são novas nesse drama. Se lembrarmos da história, veremos que, ao longo dos anos, elas foram perseguidas por diversas razões, principalmente devido às suas crenças que desafiam normas e expectativas sociais. Desde serem forçadas a abdicar de seus direitos básicos até serem perseguidas por não participarem de atividades militares, a história das testemunhas de Jeová é marcada por um sofrimento que não pode ser ignorado [2].


Não se pode desprezar ainda o fato histórico das testemunhas de Jeová na Alemanha. Em 1933, o regime nazista iniciou uma perseguição sistemática contra elas, levando à prisão e até à morte de muitos de seus membros [3]. Esse episódio ilustra a extrema dificuldade de conciliar crenças religiosas com as exigências de regimes totalitários, mostrando como a fé pode ser severamente testada em tempos de opressão. 


Dramas judiciais No entanto, em um toque de ironia que só a vida pode oferecer, as testemunhas de Jeová são hoje parte de um debate jurídico que poderia ser o roteiro de um drama de tribunal: “O Caso da Transfusão Perdida”. Enquanto o tribunal debate se a autonomia de um paciente pode ser considerada absoluta, os advogados estarão lá, e mais uma vez sobrou para eles, tentando argumentar e convencer, é claro, se o direito à saúde pode e deve superar as crenças pessoais, enquanto a sociedade observa o caso como se fosse uma novela, das 21h, é claro. 


Para contextualizar melhor, podemos comparar esse caso com outras batalhas jurídicas que envolvem questões de fé e práticas religiosas. Um exemplo notável é o caso da Christian Science nos Estados Unidos. Em Commonwealth v. Twitchell de 1993 [4], o Supremo Tribunal Judicial de Massachusetts (EUA) enfrentou a questão de se uma criança poderia ser forçada a receber tratamento médico, contrariando as crenças de seus pais, adeptos da Igreja de Ciência Cristã, que acreditavam na cura espiritual em vez de tratamento médico convencional. A corte decidiu que, em situações de necessidade médica, o Estado pode intervir para proteger a saúde da criança, mesmo que isso implique em contrariar as crenças religiosas dos pais. Outro exemplo é o caso de rastafarianos e o uso de cannabis. Em vários países, a legalidade do uso de cannabis foi debatida não apenas sob a ótica da lei criminal, mas também considerando os direitos de liberdade religiosa. Tribunais superiores, tal como o Tribunal Constitucional da África do Sul [5], enfrentaram a questão de se o uso da substância deveria ser permitido para praticantes de religiões que a consideram sacramental, equilibrando as leis antidrogas com o direito à liberdade de crença. 


STF diante de um dilema


No contexto brasileiro, o STF, em seu papel de guardião da Constituição, deve agora decidir se o direito à autonomia do paciente pode ser absolutizado, mesmo quando a decisão possa levar a consequências fatais. O Tema 952 [6] (RE 979.742 [7]) se concentra exatamente nessa questão: a possibilidade de recusar transfusões de sangue e o respeito a essa decisão, apesar dos riscos envolvidos.


A complexidade aumenta quando consideramos que o direito à vida e à saúde, protegido constitucionalmente, pode entrar em conflito com o direito à liberdade de religião e crença.


Enfim, o embate é entre a medicina e a religião, e o STF está no meio desse “jogo de forças” tentando decidir se o direito à saúde pode, ou deve, vencer a liberdade religiosa.


Por outro lado, o Tema 1.069 [8] (RE 1.212.272 [9]) expande a discussão para um contexto mais amplo, analisando a autonomia do paciente sob a ótica das mudanças de interpretação das normas e a necessidade de revisar decisões anteriores com base em novos entendimentos. Aqui, o debate gira em torno de até que ponto as crenças pessoais devem moldar as decisões médicas e jurídicas, e como essas decisões devem ser revisadas ou adaptadas à luz de novos precedentes e interpretações. É como se estivéssemos assistindo a uma nova temporada onde os personagens (leitores da lei) devem lidar com mudanças inesperadas no enredo, enquanto tentam manter a coerência e o respeito por todas as crenças envolvidas.
Para os advogados e juristas, este é um cenário que exige um equilíbrio entre o respeito às escolhas pessoais e a necessidade de garantir a saúde e a vida dos indivíduos. Para os médicos, é um momento de ponderar entre o dever de salvar vidas e o respeito pelos princípios éticos e religiosos dos pacientes. Para a sociedade, é um espelho das complexas interações entre direitos individuais e coletivos. 


A decisão que o STF tomará não é meramente técnica; é um reflexo dos valores que nossa sociedade deseja abraçar. Trata-se de definir se a autonomia do paciente, particularmente em relação às suas crenças religiosas, é um valor absoluto ou se existem limites que precisam ser considerados para proteger a vida e a saúde.


A decisão do STF será, sem dúvida, uma oportunidade de refletir sobre como equilibramos o respeito pelas crenças pessoais com as responsabilidades de garantir o bem-estar e a saúde. Afinal, se há algo que a medicina e o direito têm em comum, é que ambos tentam resolver problemas complexos, a diferença é que um tenta salvar a vida, o outro a alma, mas ambos às vezes se sentem como se estivessem tentando montar um quebra-cabeça sem todas as peças. 


Como em qualquer crônica, a vida real não se desenrola com a clareza dos textos legais, mas com nuances e dilemas que desafiam as definições rígidas. No final das contas, a decisão do STF será uma oportunidade para refletir sobre como conciliamos nossas convicções mais profundas com as responsabilidades que temos uns para com os outros. 


Questão de humanidade


E enquanto esperamos pela decisão, é essencial lembrar que, por trás dos números e das leis, estão vidas reais com histórias e sofrimentos. O STF terá que decidir então se a autonomia do paciente é um valor absoluto ou se há limites que precisam ser impostos para proteger a saúde e a vida. No fim, essa decisão pode servir como um lembrete de que a justiça não é apenas uma questão de lei, mas também de compreensão e empatia. No grande palco da justiça, onde os atores são muitas vezes confrontados com dilemas profundos e complexos, o próximo ato será um reflexo das escolhas que nossa sociedade está disposta a tomar. E, quem sabe, talvez ao final desse drama, possamos encontrar uma maneira de equilibrar fé, autonomia e saúde de uma forma que faça jus à dignidade e aos direitos de todos, de modo que possamos viver felizes para sempre.


A história nos ensinará o resultado, mas o verdadeiro ensinamento pode residir na jornada de ponderação e na consciência de que, em questões de fé e saúde, o direito não é apenas uma questão de lei, mas de humanidade.

Para saber mais sobre a história das testemunhas de Jeová, suas crenças e modo de vida, acesse: www.jw.org


Blog Francisco Figueiredo

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